Preparação mental para o parto como forma de transformação social
Inês Cruz Dourado*
O Brasil é um dos primeiros países do mundo no ranking de cirurgias cesarianas como principal forma de nascimento. Portanto, se para falar de parto no país das cesáreas já é difícil, para falar de preparação mental para o parto é mais difícil ainda.
Entender a importância da preparação mental para o parto faz parte de um descortinar de ideias profundas que vão contra tudo que a nossa sociedade patriarcal, machista, capitalista e misógina nos ensina. Fazer com que você se sinta incapaz e insatisfeita faz parte de um projeto para que você viva sempre buscando algo externo e consumindo coisas, como possíveis soluções para seus problemas. Todo mundo tem um remédio, um curso, um serviço, uma pílula mágica para te vender. Você precisa. Você não consegue. Você é fraca. Você não sabe. A medicalização do parto e a desumanização da assistência vieram neste combo (tipo assim, pague 1 leve 2). O mundo tem pressa. E tudo precisa ser milimetricamente controlado. Ninguém pode esperar.
Mas os bebês sempre nasceram. E vão continuar nascendo. Bebês nasciam muito antes dos médicos e hospitais. Bebês nasciam e este era um evento totalmente fisiológico do mundo feminino até que um dia isto nos foi roubado. Este saber ancestral foi dominado pelo mundo dos homens de jaleco. E levamos muito tempo até entender, agora com base em evidências científicas, que nossa sociedade vive doente e violenta por conta de todos estes atropelos e intervenções dos processos da natureza. Agora precisamos reaprender e reencontrar todo esse saber ancestral perdido, mas que ainda vive em nós.
A preparação mental para o parto nos apoia a chegar neste lugar e nada tem a ver com o parto, em si. Tem a ver com essa busca pelo entendimento e confiança na fisiologia e no seu corpo. Tem a ver com revisitar memórias e ressignificá-las. Tem a ver com desconstruir paradigmas e aumentar seu nível de autoconhecimento para saber se um certo desejo é realmente seu ou algo que lhe foi imposto. E acima de tudo, tem a ver com conhecimento científico e entender o que realmente a ciência trás como a melhor e mais saudável forma de nascimento para a mãe e para o bebê. E como cada mulher é única, assim como o parto e assim como cada bebê, o seu caminhar mental também será único e particular, aumentando suas chances de ter uma experiência feliz e prazerosa como resultado – independente da via de nascimento.
Para muito além da saúde e cuidado do binômio mãe-bebê, apoiar o processo para que a mulher tenha uma gestação saudável e feliz e que este bebê seja recebido da melhor forma possível é também ferramenta de transformação social, uma vez que a epigenética já comprova os efeitos benéficos a longo prazo na vida do adulto que este bebê virá a ser.